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A farsa do “tudo bem se não estiver tudo bem”

Ilustração digital em estilo gráfico flat, com fundo em tom laranja vibrante. Ao centro, uma mulher estilizada com pele escura, cabelos pretos soltos e chifres discretos na cabeça. Ela veste um vestido escuro com detalhes dourados e segura um espelho redondo onde se vê o reflexo de seu próprio rosto. No espelho está escrita a frase: “A farsa do ‘tudo bem se não estiver tudo bem’” em letras pequenas e harmoniosas. A composição carrega uma estética intensa e simbólica, típica da identidade visual da @aeluriah.
A farsa do “tudo bem se não estiver tudo bem”

Tem coisas que a gente aprende na prática, e geralmente da pior forma.

Uma delas é que esse discurso de “tá tudo bem não estar bem” funciona até certo ponto.

Funciona enquanto a dor do outro é pontual, passageira, contornável.

Mas quando a dor se prolonga, quando começa a atrapalhar a rotina, a resposta muda.


As pessoas se afastam. Não porque são ruins. Mas porque estão cansadas.

Ninguém tem energia sobrando pra acolher sofrimento que não tem fim.

Todo mundo tá lidando com os próprios limites. E ser adulto é justamente isso: perceber que nem sempre vai ter alguém disponível. Que às vezes nem você tá disponível pro outro.


É fácil falar que acolhe, mas muito difícil sustentar.

Difícil ouvir sem interromper. Difícil escutar sem tentar resolver.

E na maioria das vezes, o que a gente encontra é um conselho genérico, uma tentativa de distração, ou um silêncio desconfortável.


Isso não significa que ninguém se importa. Significa que as pessoas têm pouco recurso.

Emocional, prático, energético.

Todo mundo tem conta pra pagar, prazo pra cumprir, drama pra administrar.

E quando alguém desmonta na nossa frente, a gente até quer ajudar

mas, no fundo, só quer que aquilo acabe logo.


E a gente também faz isso.

Também muda de assunto quando o amigo se abre demais.

Também não sabe lidar com a vulnerabilidade do outro.

Também oferece frases feitas porque não sabe o que dizer.


Então não, não é simples.

É duro se sentir mal e perceber que ninguém aguenta mais ouvir.

Mas também é duro estar do outro lado

e não ter estrutura pra segurar mais nada.


Tem momentos em que não tem rede. Não tem apoio suficiente. Não tem quem venha.

E aí o que resta é você com você.

Você tentando entender o que sente.

Você buscando ajuda quando dá.

Você tentando continuar, mesmo sem ter com quem dividir.


Não é justo. Mas é real.

Nem tudo vai ser acolhido.

Nem todo mundo vai aguentar.


E, de algum jeito, a gente precisa encontrar um jeito de continuar existindo mesmo assim.


Tá, mas o que faço?

Porque uma hora a gente entende.

Entende que nem todo sofrimento será escutado.

Que tem coisa que vai ter que ser elaborada sozinha.

Que não adianta despejar tudo em cima de quem mal consegue carregar o próprio peso.


Mas e depois?

Depois que a lucidez chega … e junto com ela, o incômodo, o silêncio, a percepção de que boa parte da vida adulta é sobre aguentar

o que fazer?


Primeiro, parar de esperar dos outros o que só você pode fazer por si.

Não como um discurso de autoajuda, mas como uma constatação prática.

Você pode ter amigos. Pode ter apoio. Pode ter sorte.

Mas ninguém vai viver sua dor no seu lugar.

Ninguém vai atravessar esse deserto por você.


Então é preciso construir recurso interno.

Aprender a se escutar. A se conter. A se acolher …não no sentido místico da palavra, mas real: saber o que você sente, doer onde dói, sem tentar fugir disso o tempo todo.


E buscar ajuda quando der.

Terapia, sim. Mas também formas de elaborar o que vive.

Escrever. Pensar. Criar estrutura.

Não pra se tornar imune à dor, mas pra conseguir ficar em pé enquanto ela acontece.


Essa lucidez machuca no começo.

Parece um tipo de solidão maior.

Mas depois vira outra coisa: uma autonomia silenciosa.

Não a independência romântica que diz que você não precisa de ninguém

isso é mentira.

Mas a maturidade de entender que, mesmo precisando, você talvez não tenha.


E vai ter que seguir assim mesmo.

Porque às vezes, só você vai saber da sua dor.

Só você vai saber da sua história.

E só você vai estar lá quando ninguém mais estiver.


Não é bonito. Mas é real.

E talvez, com o tempo, seja até libertador.

Porque parar de esperar dos outros pode ser o primeiro passo pra, enfim, se encontrar.


★ Aeluriah

 
 
 

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