Precisamos Falar Sobre Kevin — ou sobre a dor que ninguém quer nomear
- Aeluriah
- 18 de abr.
- 4 min de leitura
Atualizado: 12 de mai.

Precisamos Falar Sobre Kevin — ou sobre a dor que ninguém quer nomear
Logo no início do filme, a gente percebe:
essa não é uma história confortável.
É uma história sobre culpa, silêncio, maternidade não idealizada, e sobre o que acontece quando ninguém consegue falar o que tá realmente sentindo.
Eva (Tilda Swinton) é uma mulher que teve um filho, Kevin — mas não teve, de verdade, a escolha emocional de ser mãe.
Ela engravidou, teve o menino, fez o que era “certo”. Mas desde o começo, ela não se conecta com ele.
O bebê chora o tempo todo.
Ela não consegue acalmar.
Ele não parece querer ser acalmado.
E isso só cresce.

O filme mostra Eva tentando cumprir o papel de mãe, enquanto Kevin, desde criança, se mostra… diferente.
Ele não sorri pra ela.
Ele a provoca.
Ele manipula.
Às vezes, parece que ele sabe exatamente como fazer Eva se sentir uma fracassada.
E ela sente culpa por não amá-lo da forma que o mundo espera — mas também sente raiva.
Medo.
Desespero.
Uma solidão absurda dentro da própria maternidade.
E o pai?
O pai é o tipo de homem que finge não ver.
Ele é a negação em forma de gente.
Quando Eva diz: “tem algo errado com o nosso filho”,
ele responde com um sorriso e diz:
“Ele é só uma criança.”
Mesmo quando Kevin destrói coisas.
Mesmo quando manipula.
Mesmo quando o clima dentro da casa é de guerra fria.

O pai, como muitos, escolhe o papel de “bonzinho”.
Mas a omissão dele também é violência.
Enquanto Eva enlouquece sozinha, ele se mantém confortável —
acreditando na ilusão de que tudo vai melhorar.
Que Kevin vai crescer.
Que tudo é culpa da sensibilidade da mãe.
E quando a tragédia acontece, é tarde.

O tempo todo, a gente se pergunta:
Kevin nasceu assim? Ou se tornou assim por causa dela?
E a verdade é que o filme não dá uma resposta pronta.
Porque talvez não exista uma.

Kevin é a sombra materializada
Ele cresce, se torna cada vez mais frio, cruel, e aos poucos a tensão vira um sufoco psicológico.
Até que ele comete um massacre.
É isso.
Kevin, adolescente, mata colegas e professores da escola — e também o pai e a irmã mais nova.
E deixa Eva viva.
Ela.
Só ela.
O filme é contado em flashbacks, costurado com a vida de Eva depois da tragédia: isolada, rejeitada, humilhada por todos. E ainda assim… voltando à cela para visitar o filho.

E o mais incômodo: a gente sente mais por ela do que por ele.
Porque Kevin é um vazio.
Um buraco negro emocional.
Um filho que nunca permitiu o vínculo — ou que, talvez, nunca recebeu o que precisava para criá-lo.
Mas Eva…
Eva é a mulher que carrega o peso do que não conseguiu sentir.
Ela é o retrato da mãe real — não a idealizada.
A mãe que, em silêncio, se pergunta:
“se eu tivesse amado mais… ele teria sido diferente?”

O filme fala sobre maternidade. Mas fala sobre trauma também.
Sobre como o não-dito cria monstros.
Sobre como a dor pode passar de geração pra geração quando ninguém fala, ninguém acolhe, ninguém sente de verdade.
Kevin é a dor crua.
É a raiva silenciosa que cresce dentro de uma criança que percebe que é rejeitada — mesmo que ninguém diga isso em voz alta.
E é também a dor da mulher que foi engolida pela culpa, pela obrigação, pela solidão, e não conseguiu sair a tempo.

Depois da tragédia, vem a crucificação.
Eva sobrevive.
Mas vira a inimiga pública da cidade.
Jogam tinta vermelha na casa dela.
A encaram no mercado como se ela fosse o próprio demônio.
Ela tenta viver.
Mas vive como fantasma.

Porque na cabeça das pessoas, ela deveria ter feito algo.
Ela deveria ter impedido.
Ela deveria ter sido a mãe perfeita.
Só que ninguém sabe como é viver anos sendo engolida por um filho que te odeia.
Ninguém sabe o que é acordar todos os dias com medo do que aquele olhar vai fazer.
Ninguém viu as tentativas.
As noites em claro.
As conversas no escuro.

E agora, todo mundo julga.
Todo mundo aponta.
Todo mundo tem uma opinião.
Porque julgar a mãe é mais fácil do que aceitar que o mal pode nascer dentro de casa…
e ninguém saber o que fazer com isso.


E Kevin?
Kevin é o reflexo da sombra não integrada.
Do afeto não sentido.
Do vínculo que nunca existiu.
Ele é o que acontece quando a dor é negada por tempo demais.
Quando a raiva é reprimida até virar arma.
Quando ninguém tem coragem de dizer: “isso aqui não é amor.”

E o mais doloroso?
Ele mata todos.
Menos ela.
Como se dissesse:
“Você vai viver com isso.
Você vai me olhar.
Você vai lembrar.”

No fim, esse filme não é só sobre ele.
É sobre ela.
É sobre o quanto a gente exige das mães.
É sobre como a gente escolhe os vilões.
É sobre tudo o que a gente varre pra debaixo do tapete e finge que não existe —
até que exploda.

Precisamos falar sobre Kevin.
Mas também precisamos falar sobre:
A negação do pai.
A solidão da mãe.
O julgamento dos vizinhos.
A violência emocional disfarçada de normalidade.
E a verdade que ninguém quer escutar — até virar tragédia.

No fim, a pergunta não é só “o que aconteceu com Kevin?”
A pergunta é:
o que acontece com as famílias onde ninguém pode ser sincero?
O que acontece quando a maternidade é uma prisão?
Quando a criança é um espelho que ninguém quer olhar?
Quando todo mundo finge que tá tudo bem… e a dor vira silêncio?
E você? Já assistiu Precisamos Falar Sobre Kevin?
Foi um daqueles filmes que te deixaram desconfortável também?
Porque pra mim, esse desconforto é o que torna ele tão necessário. Tão real.
É um filme que mexe com camadas que a gente nem sempre quer encarar… e talvez por isso mesmo ele fique tanto tempo na mente e no corpo.
Quero saber o que você sentiu vendo.
Até a próxima.
— Mari Kuste/Aeluriah
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